9 de set. de 2009

NÃO ADULTERARÄS



Por Martinho Lutero




Neste mandamento, também é prescrita uma boa obra muito abrangente e que rechaça muitos vícios. Chama-se pureza ou castidade. Muito se escreveu e pregou sobre ela. É bem conhecida de todo o mundo, só que não é observada e praticada com tanto cuidado quanto as outras obras não prescritas. Nós estamos dispostos a fazer o que não está ordenado e a ignorar o que está ordenado. Vemos que o mundo está cheio de obras vergonhosas da impureza, de palavras, historinhas e canções desonrosas. Além disso, cresce diariamente a excitação com comilanças e bebedeiras, preguiça e luxo supérfluo. Ainda assim agimos como se fôssemos cristãos, caso tenhamos ido à igreja, observado nossa oração, nosso jejum e o feriado, como se isso bastasse.

Pois bem, se não estivessem prescritas outras obras exceto unicamente a castidade, essa já daria o bastante que fazer a todos nós. É um vício muito perigoso e irrequieto este que se agita em todos os membros: no coração com pensamentos, nos olhos com o que se vê, nos ouvidos com o que se ouve, na boca com palavras, nas mãos, nos pés e em todo o corpo com atos. Dominar tudo isso exige trabalho e esforço. Assim os mandamentos de Deus nos ensinam que obras boas e justas são uma grande coisa. É impossível criar uma boa obra com nossas próprias forças, muito menos começá-la ou levá-la a cabo. Santo Agostinho diz que, entre todas as lutas dos cristãos, a luta pela castidade é a mais dura. Simplesmente porque ela diariamente combate sem cessar e raras vezes vence. Todos os santos lamentaram e choraram isso, como São Paulo em Romanos 7:18: “Em mim, isto é, em minha carne, nada de bom encontro”.


2. Esta obra da castidade incentiva para muitas outras boas obras: para o jejum e a moderação, contra a comilança e a bebedeira; para a vigília e o levantar cedo, contra a preguiça e o sono excessivo; para o trabalho e o esforço, contra a moleza. Pois comer e beber demais, dormir muito, viver na preguiça e na moleza são armas da impureza, com as quais é dominada rapidamente a castidade. Por outro lado, o santo apóstolo São Pedro chama o jejum, a vigília e o trabalho de armas divinas (cf. 2 Coríntios 6:5,7; Romanos 6:12s). Domina-se a impureza com esse, mas de tal forma que a prática dos mesmos não vá além do necessário para abafar a impureza, e não para arruinar a natureza.

Acima de tudo isso, a defesa mais forte está na oração e na palavra de Deus. Quando o mau desejo se manifesta, a pessoa deve refugiar-se na oração, invocar a graça e a ajuda de Deus, ler e medita o Evangelho, observar nele os sofrimentos de Cristo. Assim diz o Salmo 137:9: “Bem-aventurado é aquele que apanha os jovens da Babilônia e os esmaga na rocha”. Isto é, se o coração com os maus pensamentos –– enquanto ainda foram jovens e estiverem no começo –– corre para o Senhor Cristo. Este é uma rocha na qual eles são desgastados e desaparecem.

Cada um, sobrecarregado consigo mesmo, encontrará o suficiente para fazer e ganhará muitas boas obras. No entanto, o que vem acontecendo agora é que ninguém ora, jejua, vigia e trabalha para esse fim. Deixam isso ser obras em si mesmas, enquanto deveriam estar destinadas ao cumprimento das obras deste mandamento e à purificação crescente diariamente.

Alguns ainda apontaram outras coisas a serem evitadas, como leito macio e roupa confortável, embelezamento supérfluo, a companhia, conversa e imagem de mulher ou homem e o que mais possa promover a castidade.

Nisso tudo ninguém pode ficar uma regra e medida certas. Cada qual precisa considerar quais as obras, em que quantidade, com que duração elas contribuem para a castidade, escolhendo-as e observando-as ele próprio. Se não puder, deve submeter-se por algum tempo à orientação de uma outra pessoa, que o mantenha até que seja capaz de orientar-se a si mesmo. Para ensinar disciplina e pureza à juventude foram fundados os mosteiros antigamente.


3. Uma fé boa e forte ajudará nesta obra, mais do que em qualquer outra. Por isso, Isaías 11:5 diz que a fé é um cinto dos rins, isto é, uma defesa da castidade. Quem vive esperando de Deus toda graça tem alegria na pureza espiritual. Por isso consegue resistir à impureza carnal muito mais facilmente. Com certeza, o Espírito lhe diz como deve evitar maus pensamentos e tudo aquilo que contraria a castidade. Pois assim como vive e faz todas as obras sem interrupção, da mesma forma a fé na graça divina também não deixa de dar o seu conselho em todas as coisas que são gratas e desagradáveis a Deus. São João diz em sua carta: “Vocês não tem necessidade de que alguém os ensine, pois a unção divina, isto é, o Espírito de Deus, lhes ensina todas as coisas” (1 João 2:27).

Mas não devemos desanimar se não nos livrarmos rapidamente da tentação, nem pensar de forma alguma que teremos descanso dela enquanto vivermos. Devemos encará-la tão-somente como um incentivo e um conselho para a oração, o jejum, a vigília, o trabalho e outros exercícios para dominar a carne e particularmente para exercitar a fé em Deus. Pois castidade valiosa não é aquela tranqüila e sossegada, mas aquela que luta contra impureza, lança fora sem parar todo veneno despejado pela carne e pelo mau espírito. São Pedro diz assim: “Eu os exorto a se abster dos desejos e paixões carnais que lutam constantemente contra a alma” (1 Pedro 2:11). São Paulo diz em Romanos 6:12: “Vocês não devem seguir ao corpo segundo as suas paixões”, etc. Nesses textos e em outros semelhantes, é mencionado que ninguém está isento de mau desejo. Mas deve e precisa lutar diariamente contra ele. Embora isso traga inquietação e descontentamento, trata-se de uma obra agradável aos olhos de Deus. Devemos consolar-nos com isso e dar-nos por satisfeitos. Aqueles que acreditam controlar tal tentação com sucesso só se entusiasmam mais ainda. Mesmo que pare por algum tempo, outra hora ela volta mais forte ainda e contra a natureza mais enfraquecida do que antes.


Fonte: Martinho Lutero, Ética Cristã (Das Boas Obras), Editora Sinodal, páginas 133-137.


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